top of page
METODOLOGIA

Inspirada em nomes como Sanchis Sinisterra (“o ator colaborador”),e em vários  recortes dos pensamentos de Michel Foucault e Gilles Deleuze ( entre outros pensadores ), Thereza Piffer criou

e vem desenvolvendo desde então, seu método de trabalho. Para tal, o ator utiliza o corpo e a imaginação do espectador ( muitas vezes retirando um dos seus principais sentidos – a visão )

como “palco de sua experimentação e atuação”. É aí que a diretora prioriza o respeito e a sensibilidade de cada profissional que trabalha com ela e o método desenvolvido. 

 

Um dos traços marcantes da filosofia de Gilles Deleuze é a sua interação com as mais diversas formas de produção artística. Deleuze nos mostra como a arte em sua relação privilegiada

com o tempo permite ao artista, atingir os diversos mundos e pontos de vista que o

constituem, mostrando assim, que a arte revela processos de subjetivação que, ao menos inicialmente, são imperceptíveis às pessoas em geral.

“Os signos da arte, desmaterializados, encontram seu sentido numa essência ideal

e no nível mais profundo, o essencial está nos signos da arte, porque a matéria

se espiritualiza na obra de arte e reflete a qualidade de um mundo original” ( DELEUZE) .

 

A arte torna possível o ingresso na aventura do inconsciente, do involuntário,

e  cria um mundo da essência, e  “o mundo da essência é sempre um começo do mundo

em geral, um começo do universo, um começo radical absoluto”. 

Por isso o Sensus compactua com a filosofia de Deleuze quando acredita que a

criação, como o que provoca o ato de pensar, sempre surgirá dos signos. A arte não só

nasce dos signos como os faz nascer; Portanto, partindo da ideia de provocador do

ato de pensar, Deleuze diz que “o ato de pensar não decorre de uma simples

possibilidade natural; é ao contrário, a única criação verdadeira.

A criação é a gênese de pensar no próprio pensamento”.

 

O trabalho do Sensus sugere o ator e o próprio espectador como criadores.

Como seres pensantes. O pensar  seu próprio espetáculo e com isso criar seu

próprio espetáculo. O que fazemos é, estimular o público sensorialmente para 

propôr um dialogo imagético com ele.

Um diálogo de imaginações. 

O  pensamento do Sensus ainda se aproxima do pensamento de Foucault,

no que diz respeito a  “definir as práticas artísticas contemporâneas como um espaço

de resistência ao empobrecimento ético, político e subjetivo atual, tendo em vista

o esvaziamento da experiência”. Foucault debruça‐se em diferentes textos sobre o tema

das artes da existência. Para ele, nas civilizações antigas greco‐romanas, concentrando‐se

nos anos I e II AC., havia uma experiência pautada na afirmação da liberdade e na ética, com o intuito de criação de uma existência boa e bela. Com o cristianismo, vimos se inaugurar progressivamente, uma mudança em relação às morais antigas,  morais essas que eram essencialmente uma prática, um estilo de liberdade. Naturalmente, haviam também certas

normas de comportamento que regravam a conduta de cada um. Porém, na Antiguidade,

a vontade de ser um sujeito a busca de uma ética da existência eram principalmente

um esforço para afirmar a sua liberdade e para dar à sua própria vida uma forma

na qual era possível se reconhecer, ser reconhecido pelos outros e na qual

a própria posteridade podia encontrar um exemplo. (FOUCAULT, 2006 - B: 289-290).

 

Governar a si mesmo, define‐se então pela capacidade de dar forma a si próprio e

de modular seus próprios valores, não se submetendo a uma moral dominante e normalizadora. Foucault explicita que o anseio de constituir a si mesmo como um indivíduo livre,

um cidadão da polis, é um dos elementos chave daquela experiência greco-romana.

Tal objetivo é constituído por práticas com uma intenção de transformação e atenção

a si mesmo chamadas  por Foucault  de  "técnicas  de  si". 

Essas ações estavam destinadas  à  constituição  de  um  cidadão  e,  nesse  sentido, 

as  artes  da  existência contemplavam o cuidado com o outro, a constituição de

si por meio de relações de amizade,  de  amor  e  de  aprendizado. 

“O DIÁLOGO DE IMAGINAÇÕES”

Johnson (1989) diz que fantasia (“phantasía”, no grego) originalmente quer dizer

“tornar visível”. Logo, a atividade de fantasiar, isto é, imaginar, está  ligada à faculdade

de tornar visíveis conteúdos invisíveis, inconscientes ao indivíduo.

Por isso pode-se compreender o trabalho do Sensus em geral como um trabalho que tem como objetivo,  tornar perceptível o que se encontra ativado no seu inconsciente,  

trabalho esse, altamente importante até terapeuticamente.  

Por isso, através de textos literários,  trabalhamos a imaginação de forma ativa. 

Essencialmente, trabalhamos em encontrar imagens nos textos para dialogar com elas.

Isso envolve o uso de outras funções humanas que não a intelectual, e sim a pensante.

 

O ator é chamado a interagir, se relacionar com os diversos aspectos do seu inconsciente

que pedem atenção em seu interior. Desta forma conseguimos que haja uma negociação

respeitosa entre as partes (ator : consciente / inconsciente), e assim alcançar

 uma compreensão que não tem nada de intelectual, mas que toca os sentimentos.

Se com o exercício desta “imaginação ativa” se aprende a alcançar um relacionamento de

respeito entre os aspectos de si mesmo, isso acontece ainda mais na

interação com as pessoas do mundo externo ( público: consciente / inconsciente ). 

Existe uma confluência de ambas as partes que funcionam juntas para produzir a imaginação. 

No trabalho do Sensus estimulamos que, aquilo que o espectador imagina, seja tratado de forma literal, isto é,, como se fosse a realidade externa. E de fato, não há nada que contradiga esse tratamento, pois os elementos da imaginação têm sua existência própria,

e devemos lhes atribuir o valor de algo que existe. 

Segundo a antropóloga Norma Telles, as artes trazem à tona possibilidades de percepção

sobre o humano que, muitas vezes, métodos de investigação racionais e científicos não alcançam. 

“É no entroncamento de inúmeras veredas, onde os fios de várias disciplinas se cruzam,

enrolam e desenrolam que as criações culturais adquirem todas as suas significações e que o imaginário não corre o risco de ser trancado numa análise racionalista imóvel ou

instrumental que asfixiaria sua pregnância numa lógica mecanicista e

linear do social” (TELLES, 2008: 116).

A postura do  Sensus promove um diferencial no modo tradicional de pensar o trabalho teatral,

na medida em que a "elaboração da vida"  ganha destaque.  Para se trabalhar com o Sensus

é preciso  viver  artista,  através  de  práticas  de  si mesmo  que  promovam  a construção de

uma existência ética e política. Temos conseguido isso através das imagens poéticas que

criamos, nos transformando e inspirando a nós mesmos e aos outros, chegando a

lugares de criação de vida, ainda inexplorados. 

 

A partir da literatura, especialmente a poética, Thereza Piffer cria uma encenação centrada

no ator como criador e é neste ponto que considera Sanchis Sinisterra uma inspiração:  

“Como utilizamos o espectador como “palco” de nossa intervenção, proponho um teatro que se baseie no trabalho de conexão com o espectador, uma conexão permanente, que deve continuar

 viva em qualquer contexto, abrindo a encenação ao imprevisível. 

Porque cada espectador é UM indivíduo diferente que nos chega e ainda mais porque

através da proximidade e do tato ( um dos sentidos mais utilizados ),

o espectador nos passa literalmente pelas mãos.  

O ator no Sensus não é tratado só como intérprete, e sim como criador.

Piffer elabora exercícios e experimentações que os atores realizam uns nos outros

até chegar a um consenso de quais sensibilizações acreditamos ser as mais vivas, e que

melhor estimulam a imaginação.  Os exercícios de improvisação com base

no texto que é dado, e com as sensibilizações escolhidas, levam os espectadores

a um estado emocionalmente imprevisível.  Assim como Sinisterra diz, 

“não me interessa muito, como diretora, os aspectos espetaculares da encenação,

tenho sempre como eixo central do trabalho o ator, a relação com o ator, a criação do ator". 

A preocupação no Sensus é dar ferramentas ao ator para que ele seja este criador a partir de um texto poético.  “O ator deve ser consciente não somente do que a palavra diz, mas também do espaço, do tempo, dos diferentes modos de interação, etc.”( SINISTERRA). 

Há uma permanente troca entre o que é dramaturgia e o que é criação do ator. 

A cada pessoa que passa pelo ator em um espetáculo, está sempre criando

porque esta é a maneira do Sensus de conceber a encenação:

Deixar um espaço aberto para que o ator, busque coisas novas em cada espectador.

A “imaginação” é o foco. E dentro da imaginação de cada um,

há um mundo bem maior do que a realidade. 

Além dos exercícios de interpretação e de voz, de relaxamento e de

acolhimento ( até mesmo na localização da sede no meio da natureza), se  consegue produzir 

um tipo de teatralidade diferente e sensórea que possui um campo imenso ainda

a ser explorado.  Nos ensaios, se trabalha de maneira que, cada frase do texto,

possa formar combinações na relação com o outro e na relação com os objetos sensoriais.

É um trabalho quase artesanal.

O Sensus acredita verdadeiramente que é isso que o ser humano precisa.

O encontro do ser com o outro ser,  sem a intermediação das inúmeras “telas”

que convivemos hoje em dia.

Stanislawski dizia ao final de sua vida :”não busquem NADA dentro de  si mesmos,

dentro de si mesmos não há nada, busquem no outro”.

O  Sensus reconsidera isto dizendo que  “busquem TUDO dentro de

si mesmos. Dentro de si mesmos há TUDO E MAIS UM POUCO. E para além de buscar

em si mesmos, BUSQUEM NO OUTRO. Porque também no outro há

TUDO E MAIS UM POUCO.

Há sua imaginação. Estabeleçam um “Diálogo de Imaginações”. E nesta relação/diálogo,

há sim, um MUNDO INDESCRITÍVEL DE POSSIBILIDADES!

 

bottom of page